Há algo de profundamente humano — e profundamente frustrante — no desejo de ser compreendido. Desde cedo, esperamos que alguém nos escute com exatidão, que decifre o que sentimos sem que seja preciso explicar, que acerte o nome das nossas dores sem que tenhamos que soletrar cada uma delas. Desejamos ser lidos como um livro aberto — esquecendo que nem nós sabemos tudo o que está escrito em nossas páginas.
A psicanálise nomeia essa fratura. Lacan nos lembra: toda comunicação é falha. Não por erro, mas por estrutura. A linguagem é tentativa, não espelho. Entre o que sentimos e o que dizemos, há perda. Entre o que dizemos e o que o outro escuta, mais ainda. O real, para Lacan, é aquilo que escapa à simbolização. O silêncio do outro não é sempre desamor — às vezes, é apenas impotência.
Wittgenstein encerra seu Tractatus com a frase: "Do que não se pode falar, deve-se calar." Não é um convite à omissão, mas à ética. Há experiências que não cabem em linguagem. Forçá-las a caber pode ser mais violento do que silenciar.
No cotidiano, isso se manifesta quando desabafamos e sentimos que não fomos ouvidos, quando tentamos explicar uma dor e somos mal interpretados. Fácil concluir que o outro não se importa. Mais difícil — e mais verdadeiro — admitir que talvez ele só não saiba como nos alcançar.
Nietzsche dizia que o que mais fere não é a dor, mas o não encontrar sentido nela. Transferido ao campo relacional: a exigência de ser compreendido por completo pode tornar-se fonte crônica de frustração. O outro também tem suas lacunas de linguagem, seus silêncios. Nenhuma relação é feita de simetria perfeita — no máximo, de tentativas honestas de aproximação.
A psicanálise nos desloca: em vez de exigir compreensão plena, talvez devamos acolher a incompreensão. Escutas imperfeitas também são formas de cuidado. Traduções falhas também aproximam. A incomunicabilidade, reconhecida, não é solidão — é partilha do mistério. Como diria Clarice Lispector: "é um entendimento sem palavras".
Não é desistir de se comunicar, mas abandonar o ideal da compreensão total. Relações não se sustentam em traduções literais, mas em vínculos que toleram a opacidade. Em tempos de transparência compulsiva, talvez o amor seja justamente isso: permanecer mesmo sem entender tudo.
Fazer as pazes com a incomunicabilidade não é desistência, é maturidade. É reconhecer que todo sujeito carrega territórios intransponíveis. E respeitá-los pode ser a forma mais silenciosa — e mais verdadeira — de amar.